Impactos da governança da IA nas operações de M&A


A adoção de IA pelas empresas deixou de ser apenas uma questão de inovação tecnológica. Em um cenário no qual reguladores, investidores, empreendedores e consumidores estão cada vez mais atentos à forma como algoritmos influenciam decisões de negócio, o nível de robustez da governança que tem a função de gerir o uso da IA em uma empresa pode tanto gerar uma percepção de valor, como de risco.

A governança da IA tornou-se, assim, um fator central nas operações de M&A (ou seja, operações de venda e compra de participação societária, assim como de investimentos em empresas com base em teses de venture capital, growth equity e private equity), principalmente com relação aos players que operam na nova economia. A equação de valor/risco impacta diretamente a percepção de potenciais adquirentes/investidores em operações de M&A, já que uma governança sólida é associada a majoração de resultados e diminuição da exposição a perdas.

Em particular, a governança da IA impacta operações de M&A nos seguintes campos: valuation, due diligence jurídica, assim como nos instrumentos jurídicos regulando os termos e condições das operações respectivas.

Com relação a valuation, a governança da IA assume papel fundamental na geração de valor da sociedade target.

  • Empresas que conseguem demonstrar robustez na forma como estruturam sua governança para o uso da IA, adotando processos auditáveis e alinhados às melhores práticas de mercado, transmitem ao potencial adquirente/investidor uma percepção de maior segurança jurídica e operacional.
  • Essa robustez se reflete na redução da necessidade de provisões para riscos jurídicos, na medida em que diminui a probabilidade de contingências futuras relacionadas ao uso indevido de dados, violações de direitos de propriedade intelectual, falhas de compliance em setores regulados, problemas reputacionais e/ou outros riscos atrelados a tomadas de decisões equivocadas.
  • Empresas que conseguem comprovar mecanismos de transparência, explicabilidade e mitigação de vieses em seus algoritmos revelam capacidade de atrair capital qualificado.

O resultado direto é a atribuição de múltiplos mais elevados no momento da avaliação da sociedade target em comparação a concorrentes menos estruturados, reforçando a governança da IA não apenas como um mecanismo de proteção, mas como um verdadeiro driver de valorização no mercado.

Em virtude da sua relevância inclusive como elemento precificador, aspectos relacionados à governança da IA passaram a ocupar espaço de destaque também no âmbito das due diligences jurídicas, posicionando-se lado a lado de áreas tradicionalmente consolidadas como societário, contratual, cível, tributário, trabalhista, criminal, compliance e proteção de dados.

Esse movimento reflete a compreensão de que a IA deixou de ser mera ferramenta operacional para se tornar um ativo estratégico, cujo uso inadequado pode, inclusive, comprometer a viabilidade econômica da operação societária que está sendo estruturada.

A análise realizada durante a due diligence jurídica, portanto, não se restringe a constatar se a empresa utiliza ou não soluções de IA, mas busca compreender, em profundidade, de que maneira essa prática é gerida e regulada pelos arranjos contratuais e pela estrutura de governança corporativa da sociedade target.

A depender dos resultados alcançados e das eventuais red flags identificadas, podem surgir pontos de fricção com potencial de atrasar ou mesmo impedir a realização do deal. Isso ocorre porque tais riscos podem demandar ajustes complexos de governança, renegociação de contratos ou até mesmo a revisão do modelo de negócios da sociedade target, o que afeta diretamente valuation da empresa, assim como na alocação de riscos e responsabilidades quando da negociação dos instrumentos jurídicos que regularão a operação societária respectiva.

Com base, inclusive, nos resultados da due diligence jurídica, os instrumentos jurídicos que regulam os termos e condições das operações de M&A também passaram a incorporar previsões específicas voltadas a aspectos relacionados a governança da IA. Isso significa que, além das cláusulas tradicionais, os contratos precisam refletir a alocação adequada de riscos e responsabilidades ligados ao uso da IA pela sociedade target.

Nesse contexto:

  • As partes podem ajustar condições precedentes ao fechamento da operação relacionadas à correção de deficiências de governança (como a exigência de ajustes em políticas internas de uso de IA), a regularização de licenciamento de bases de dados e/ou a adoção de mecanismos de auditoria periódica para mitigar vieses.

  • As declarações e garantias prestadas pelos sócios da sociedade target nos contratos passam a abranger expressamente, dentre outras, a titularidade de direitos sobre o uso de ferramentas de IA e a inexistência de litígios ou investigações em curso relacionados ao uso da IA.

  • Além disso, hipóteses de indenização também podem ser necessárias caso eventual perda seja incorrida pela parte adquirente/investidora em virtude de violações de declarações e garantias relacionadas a governança da IA, assim como de passivos ocultos decorrentes do uso inadequado da IA (como eventuais sanções regulatórias, violações de direitos de propriedade intelectual ou demandas judiciais de consumidores e stakeholders).

  • A depender dos findings da due diligence jurídica, eventuais arranjos de escrow (ou seja, alocação de parte do preço da operação em conta vinculada a ser gerida pelas partes), holdback (ou seja, retenção de parte do preço da operação pelo comprador/investidor) e/ou oferecimento de garantias pelos sócios da sociedade target para garantir o pagamento de indenizações podem ser necessários.

  • Em paralelo, as partes podem também ajustar eventuais obrigações pós-fechamento específicas, impondo à sociedade target a implementação de medidas adicionais de governança relacionada ao uso da IA.

Esse conjunto de previsões tem por objetivo não apenas distribuir responsabilidades entre as partes, mas também assegurar que o deal esteja alinhado às exigências legais e às expectativas de mercado, mitigando riscos de interrupções e/ou prejuízos reputacionais futuros.

Dessa forma, a governança da IA transcende o papel de mero item a ser verificado no âmbito da due diligence jurídica para se consolidar como elemento determinante na arquitetura jurídica das operações societárias.

A governança da IA deixou, portanto, de ser um tema periférico e tornou-se um elemento estratégico nas operações de M&A. Se antes a tecnologia era analisada apenas sob a ótica operacional, hoje ela se conecta diretamente à precificação da sociedade target, à sustentabilidade do negócio, assim como à gestão dos riscos respectivos.

Para potenciais adquirentes/investidores, o grau de robustez da governança da IA já é um termômetro que indica a capacidade de geração ou destruição de valor, deixando de ser mero diferencial competitivo e assumindo a condição de pré-requisito indispensável para viabilizar negócios na nova economia.

Bruno Tanus

Sócio de Corporate do Andrade Maia Advogados. Doutor em Direito pela Universidade de Salamanca-Espanha e Doutor em Estudos Jurídicos Comparados e Europeus pela Universidade de Trento-Itália.

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